Pela primeira vez em seus seis anos de atuação, o Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA) recebeu apoio institucional continuado para manter e expandir suas atividades. O fomento veio através do edital “Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas 2023 – Espaços Artísticos”, com o projeto “Manutenção do Museu Transgênero de História e Arte 2024”. A iniciativa marca um importante passo para a sustentabilidade da instituição, que atua na valorização da memória e da produção artística de pessoas trans, travestis e não-binárias no Brasil.
Com os recursos, o MUTHA viabilizou uma série de ações inéditas, como o registro formal da organização não governamental responsável pela gestão do museu e de seu Arquivo Histórico. Essa formalização permite que o espaço receba doações financeiras e de acervos, além de consolidar sua estrutura de governança. Segundo o artista e gestor Ian Habib, fundador do museu, a expectativa é sensibilizar também o público cisgênero para contribuir com a manutenção da instituição. “É essencial que pessoas não trans compreendam a importância de apoiar iniciativas como o MUTHA, seja com doações de itens históricos, obras de arte ou recursos financeiros, para garantir sua continuidade”, afirmou.
Entre as principais realizações do projeto estão:
Criação da primeira política de salvaguarda do acervo, voltada à preservação e segurança das coleções;
Atualização do site institucional, com implementação de versões multilíngues, fortalecendo o processo de internacionalização;
Manutenção cotidiana do acervo, com destaque para a atualização do Arquivo Artístico de Dados (AAD), um banco que mapeia artistas trans, travestis, intersexo, indígenas LGBTQIAPN+ e pessoas não-binárias atuantes em diversas áreas;
Adequação e criação de documentos museológicos essenciais à gestão do espaço.
Acervo Transcestral: resgate da memória de pessoas corpo e gênero variantes falecidas
Um dos marcos mais simbólicos do projeto foi a inauguração do primeiro acervo museológico do país dedicado à memória de pessoas corpo e gênero variantes falecidas, denominado Acervo Transcestral. Hospedado no Arquivo Digital do MUTHA (AD), o acervo surge a partir de uma pesquisa histórica aprofundada e da criação de um prêmio voltado à aquisição de itens relacionados a essas trajetórias. A iniciativa resultou na seleção de cinco pesquisadores e pesquisadoras por meio de chamada pública, resultando na incorporação de 100 novos itens ao acervo.
Entre os destaques estão:
Coleção Cintura Fina, com 11 itens que retratam a trajetória da icônica travesti Cintura Fina, figura emblemática da boemia de Belo Horizonte entre os anos 1950 e 1980, em homenagem ao historiador Luiz Morando;
Coleção Demétrio Campos, composta por 20 itens relacionados à memória do homem trans Demétrio Campos, cuja cremação foi viabilizada por uma campanha conduzida pelo MUTHA em parceria com sua mãe, Ivoni Campos. A campanha atendeu a um desejo registrado em seu diário e deu início à constituição de sua coleção museológica;
Outros acervos relevantes, como os de João W. Nery, Anyky Lima, Taya Carneiro, Filipe dos Santos e Maria Antonia também passaram a integrar o conjunto de memórias preservadas.
Política de Acervos: um marco inédito no Brasil
Outra realização relevante foi a criação da “Primeira Política de Acervos do Museu Transgênero de História e Arte” (PAMUTHA), documento pioneiro no país voltado à gestão museológica com enfoque transgênero. Disponível gratuitamente em formato e-book no site do museu, a política orienta os processos de formação, aquisição, organização, preservação e difusão dos acervos entre os anos de 2024 e 2029.
Mais do que um documento técnico, a PAMUTHA representa um posicionamento político e ético da instituição diante da necessidade de consolidar a memória trans no Brasil. Trata-se de um instrumento fundamental para garantir a continuidade, integridade e representatividade do acervo, alinhado às melhores práticas museológicas e ao compromisso com os direitos humanos e a diversidade.