Durante a 9ª Edição da Conferência Internacional da Diversidade, realizada em São Paulo entre os dias 9 e 12 de setembro, o público acompanhou um dos pontos altos da programação: o diálogo, intitulado “Cartas Fora do Armário: vozes, silêncios e reconciliações”, que contou com a participação do jornalista e escritor Fred Itioka, e foi mediado por Cristiano Souza, diretor do festival Digo. O encontro destacou o poder da literatura como instrumento de cura e reconexão. O livro de Itioka, Cartas Fora do Armário, reúne relatos comoventes de homens gays e suas relações com os pais, histórias atravessadas por afetos reprimidos, distâncias emocionais e reconciliações.

“Esse livro surgiu de uma angústia”, relatou Itioka. “Durante a pandemia, eu temi perder meu pai sem termos nos reconectado. Foi a primeira vez, aos 50 anos, que consegui dizer ‘eu te amo’ a ele. A partir daí, percebi o quanto essa dificuldade é comum a muitos homens gays e decidi buscar histórias semelhantes”.
Afeto como ponto de partida
Ao longo do diálogo, o autor explicou como o projeto nasceu e se consolidou durante a pandemia. Foram mais de cem entrevistas realizadas com homens gays revelando a universalidade das dores e esperanças ligadas à figura paterna.
“Não queria apenas contar histórias de amigos. Queria entender como se dá essa relação entre pais e filhos em diferentes culturas. E percebi que, independentemente do lugar, todos compartilham o mesmo desejo: o de serem amados e aceitos”, contou o escritor.
Itioka, que também é roteirista do programa Altas Horas, explicou que o processo de escuta exigiu empatia e confiança. “Deixar a pessoa à vontade é fundamental. Muitas dessas entrevistas duraram horas, algumas meses. Alguns desistiram no meio, porque reabrir essas feridas é doloroso. Mas os que seguiram, encontraram acolhimento”, disse.
Entre os diversos relatos, o autor destacou o de um jovem da periferia de São Paulo que encontrou no ballroom uma forma de expressão artística após o afastamento do pai. “Hoje ele é referência na cena, e vê-lo se libertar e se reconhecer artista é o maior retorno que eu poderia ter”, afirmou.
Outros depoimentos vieram de contextos ainda mais adversos. Um refugiado afegão, expulso de casa pelo pai por ser gay, e um jovem iraniano que ainda não conseguiu se assumir por medo das leis locais, compõem o mosaico humano que dá vida ao livro. “São histórias de coragem. Pessoas que continuam acreditando no amor, mesmo onde ele é proibido”, disse Itioka, visivelmente emocionado.
Um livro sobre afeto, não apenas sobre diversidade
Durante a conversa, o escritor fez questão de frisar que Cartas Fora do Armário não se limita a ser uma obra sobre a comunidade LGBTI+, mas sobre relações humanas e afetos interrompidos. “Muitos dizem que é um livro LGBT, mas eu costumo dizer que é um livro sobre afeto. Ele fala de pessoas que esperaram por um abraço que nunca chegou. Fala da reconciliação, da empatia e do perdão, principalmente de nós conosco mesmos”.
O autor também comentou a repercussão positiva do livro entre psicólogos, que passaram a indicá-lo a pacientes e familiares. “Essas histórias ajudam pais, mães e filhos a se verem de outro modo. Não é sobre culpar, é sobre compreender”, ressaltou.
Da dor à reconciliação
O momento mais íntimo do bate-papo veio quando Itioka compartilhou sua própria experiência de reconciliação com o pai, um senhor nipo-brasileiro de 80 anos. Após o lançamento do livro, o pai, que sempre evitou o tema da sexualidade do filho, o recebeu com uma frase simples: “Estamos juntos.”
“Esse ‘estamos juntos’ resumiu tudo. Não são todas as histórias que terminam assim, mas acredito no poder do afeto como forma de transformação”, disse o escritor, arrancando aplausos do público.
Encerrando o encontro, Itioka afirmou acreditar no poder multiplicador da arte e do diálogo. “Não espero mudar o mundo com um livro, mas se ele fizer um pai pensar, um filho se sentir abraçado, ou um professor discutir o tema em sala de aula, já terá cumprido seu papel”, disse.
Serviço
Cartas Fora do Armário – vozes, silêncios e reconciliações
Autor: Fred Itioka
Editora: Edições Cândido
Instagram: @freditioka / @edicoescandido
https://www.edicoescandido.com/cartasforadoarmario
Por: Dani Coatswith
Fotos: Felipe Veiga