A cantora, compositora e produtora musical, Laura Finocchiaro, tem sua história marcada pela ligação com a Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo Em 1997, convidada por Beto Jesus, participou do manifesto que aconteceu na Praça Roosevelt com cerca de trinta, dando origem a maior parada do Orgulho LGBT do Mundo.
Casada com a jornalista e ativista Suzy Capó, uma das criadoras do Festival Mix Brasil, que inclusive criou a sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) para definir o tipo de público que frequentava o festival, Laura era constantemente convidada para cantar nas festas que aconteciam nos clubes de São Paulo e das outras cidades onde o Mix Brasil acontecia. “Fui ganhando visibilidade e me tornei uma referência para o movimento. Foi por causa da Suzy que acabei me envolvendo de cabeça, tronco e membros nesse movimento”, lembra.
Dois anos antes de sua “estreia” na Parada, em 1995, havia gravado um videoclipe – de “Jacira num Selvagem Verão” – que contava com a participação de sete Drag Queens da cidade e uma dupla de percussionistas negras (Beth Belli e Girley Miranda). A música era inspirada numa personagem criada pelo escritor Caio Fernando Abreu – Jacira – que de dia ficava no armário e a noite virava uma flor. Em 1997, Laura fez a direção musical de um CD com músicas ligadas ao tema que foi lançado pelo Mercado Mundo Mix. Nele a faixa “Kissy Kissy Suzuki”, contava a história de um amor lésbico.
“Participei da Parada das Lésbicas, que aconteciam sempre um dia antes da dos Gays, uma vez que elas tinham que fazer a sua própria parada para conseguir mais visibilidade nas questões políticas. Cantei em festas que só tinham os “Ursos”, outras que tinham somente mulheres e outras que tinham lésbicas e gays”, conta orgulhosa.
Depois da primeira experiência, passou a ser chamada para todos os encontros promovidos pela Parada de São Paulo. “O segundo encontrou atraiu 1.500 pessoas, na Praça da República, onde eu cantei na carroceira de uma Kombi, debaixo de chuva. Depois deste encontro, a Parada passou a se reunir na Av. Paulista, em frente ao vão do Masp e dali para frente, a progressão de público parecia ser geométrica”.
Sua trajetória como uma das poucas artistas do mundo pop que “saia tranquilamente do armário” acabou a levando de forma natural ao momento mais especial de sua ligação com a Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo, que aconteceu em 2001, quando cantou “Hino à Diversidade”.
A composição foi uma encomenda de Beto de Jesus, para celebrar a quinta Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (GLBT – na época). Laura chamou Glauco Mattoso para escrever a letra e o músico Roberto Firmino, para colaborar na parte harmônica da composição. Na gravação original, fez questão de colocar vozes que representassem a diversidade, com nomes como Edson Cordeiro, Léo Aquila, Claudia Wonder, Vange Leonel, Chico Cesar, Anelis Assunção, entre outros. Na Parada que homenageava as Lésbicas, cantou ao lado de Elza Soares. “Cantei de peitos de fora, tirei a blusa e disse: Mulheres metam os peitos!” (Frase de Leca Machado).
Foram várias participações nas paradas e em cada uma, Laura surpreendia com sua irreverência e ousadia. “No início do novo século, gravei uma versão dançante e inusitada para a canção de Ednardo, “Pavão Misterioso” que serviu de base para a Parada que aconteceu no ano de 2000. Esta versão bombou. As pessoas cantavam e baixavam a música sem parar”.
Sobre Laura Finocchiaro
Cantora, compositora, produtora musical, guitarrista e arte educadora, Laura Finocchiaro é gaúcha, nascida em Porto Alegre. No início dos anos 80, seguindo ao chamado dos palcos, se estabelece na cidade de São Paulo, onde desenvolve sua carreira, produzindo música original e de qualidade para pistas diversas, novelas, reality shows, programas infantis televisivos, desfiles de moda, documentários e peças teatrais. Em janeiro de 1991, abre o show de Prince, Santana e Alceu Valença, onde Pat Mathine também era um dos convidados, na segunda edição do Rock in Rio.
Laura se define como sendo do contra. Bem quando o sucesso chegou batendo na porta do movimento, escancarado para todo o Brasil e o mundo, afirma que “preferiu sair”.
“Eu cantava em nome do amor, pois acreditava e ainda acredito que possa existir amor sem sexo definido. Acredito que o ser humano pode amar independentemente do sexo. Porém fui percebendo que neste movimento, tudo girava somente em torno do sexo. E percebi que existia e acredito que existe até hoje – uma guerra de sexos… Entre o mundo masculino e o feminino. Entrei nessa por amor! Amor por Suzy Capó. Não sei lidar com este mundo devorador, pragmático e comercial. Imagino e vivo para um mundo que não existe. Utópico”.
Confira a entrevista exclusiva para o nosso site
1 – Quando você começou a se perceber como artista na sua vida?
LF.: Em 1981, quando o compositor e cantor Carlinhos Hartlieb, consagrado no Rio Grande do Sul, me convidou para fazer backing vocal em seu show, no Teatro de Arena (Porto Alegre). Eu estudava música, compunha e cantava em rodas de amigos e familiares, mas jamais imaginava ser artista. Depois desta vibrante experiência – o show foi um sucesso na época – o “bichinho” do palco me picou e me viciou. Eu passei a compor por paixão. Depois que conheci uma poeta, numa roda de canto, minha vida mudou. Desfiz o namoro e fui atrás dela. A partir desta emoção, passei a me dedicar mais e mais à música. No show Carlinhos Hartlieb, me deu um espaço solo, e cantei uma composição minha. A partir destes aplausos, prestígio, carinho e elogios recebidos, jamais consegui largar este vício!
2 – Qual foi o seu primeiro trabalho e com qual idade?
LF.: Após esta primeira experiência com Carlinhos Hartlieb, outros convites vieram para fazer backing. Era uma forma de aprender o que significava estar no palco e fazer uma performance. Fiz backing vocal para o compositor e cantor Leo Ferlauto e cantei ainda para o grupo de rock “Taranatiriça”, todos realizados no início dos anos 80, quando recebi o convite da “Banda Beco” para ser a cantora do grupo. Montei meu primeiro show autoral, em 1982, chamado “Minha Grande Paciência Ser Gente”. Eu assinava a direção geral, tocava guitarra e cantava as composições, na maioria escritas em parceria com a poeta gaúcha Leca Machado, por quem eu era apaixonada.
3 – Como é trazer para a sua música, para a sua arte, as suas crenças?
LF.: É natural. Sou e sempre fui autêntica e verdadeira. Por isso, minha arte é genuína e eclética. Meu trabalho é feito com honestidade, canto, toco e me expresso através da música. Não faço nada para agradar ninguém. Por esse motivo, nunca consegui entrar nos esquemas comerciais da indústria fonográfica e do entretenimento. Sou uma pessoa que confia e escuta a voz que vem do coração e que pretende, com essa liberdade, tocar e despertar outros corações para sua própria verdade.
4 – Dessa história de vida tão rica e intensa, consegue destacar um ou dois episódios mais marcantes desse trajeto?
LF.: Minha parceria musical com o poeta Cazuza, que se tornou meu fã nos anos 80 e acabou pedindo uma música minha para o que viria a ser seu último álbum, “Burguesia” (nossa parceria se chama “Tudo é Amor”).
Destaco também minha participação em 1991 no “Rock In Rio II”, que deu destaque para minha carreira musical a nível nacional e internacional, mesmo sendo uma artista independente. O surpreendente dessa história é que fui inscrita, sem saber, por um fã que trabalhava no Circo Voador. Ele tinha uma fita demo minha em sua gaveta, que levou até para produtora e jornalista Denise Prado. Por causa deste evento, segui na profissão.
Tem ainda a participação como autora e produtora musical para o marcante programa infantil dos anos 90, a TV Colosso / Rede Globo. Minhas composições e meu estilo influenciaram na sonoridade de músicas produzidas para o público infantil a partir daquele momento.
Por fim, também minhas participações nos movimentos Gays que ajudaram a construir a maior “Parada Gay” do mundo. Foi inesquecível cantar ao vivo com Elza Soares e Edson Cordeiro, o “Hino à Diversidade”. Além da festa surpresa que eu minha esposa Maria Cleidejane, ganhamos dos amigos, no Rio de Janeiro, quando casamos oficialmente no papel, em 2018.
5 – Como foi o início da Parada Gay em São Paulo.
LF.: Eu já estava casada com a jornalista e ativista Suzy Capó. Foi por causa dela, que acabei me envolvendo de cabeça. Ela era uma das criadoras do Festival Mix Brasil, peça chave para o desenvolvimento da cultura da diversidade que brotava na época em forma de filme, moda, música e atitude. Em todas as edições do festival eu era convidada para cantar nas festas que aconteciam nos clubes GLS.
Em meados de 1997, fui convidada por Beto de Jesus, para um encontro/manifesto que aconteceu na Praça Roosevelt. Éramos umas trinta pessoas de todos os gêneros reunidas: Lésbicas, Gays, Travestis e Drags. O Segundo encontro atraiu 1500 pessoas, na Praça da República, onde eu cantei na carroceria de uma Kombi, em baixo de chuva.
Sempre fui convidada para abrir ou encerrar a mesma. Lembro da energia que contagiava as ruas. Não só na Parada.
6 – Você tinha noção da importância que a Parada teria no futuro?
LF.: Sim. dava pra sentir na pele. Foi tudo muito intenso e muito grande. No início do novo século, gravei uma versão dançante e inusitada para a canção de Ednardo, “Pavão Misterioso” que serviu de base para a Parada que aconteceu no ano de 2000. Em 2001 chegamos a meio milhão de pessoas na quinta Parada do Orgulho Gay, quando compus o “Hino à Diversidade”.
7 – Pensando em sua trajetória profissional, como se vê hoje com toda essa tecnologia e ferramentas à disposição? Você acha que está se encaixando? Está conseguindo se manter com a sua arte?
LF.: Sim. Sempre gostei de tecnologia, tanto é que minha música, desde o final dos anos 80, foi produzida misturando a sonoridade eletrônica com a acústica e para produzir este som, estudei muito sobre áudio e tecnologia sonora. Sinto que este mundo tecnológico foi feito pra mim e me encaixo nele perfeitamente. Acho que a rede mundial é uma forma de nos unir. Para nós, artistas independentes, foi uma tábua de salvação, apesar de todo seu lado obscuro, de invasão à privacidade e promoção de fake News.
8 – O que está pesando mais nessa quarentena?
LF.: Tornei esta quarentena produtiva e mais uma vez, a arte está me salvando. Estou produzindo um novo álbum em meu home studio, onde crio, componho, arranjo, gravo, produzo, canto e toco todos os instrumentos, provando que “mulher de 50 pode” (conforme afirmação criada pela jornalista e ativista Denise Prado).
Pretendo lançar o novo álbum com 11 faixas inéditas, sendo que duas, já foram lançadas nas plataformas digitais. Também já produzi um videoclipe para o single “A Vagar”, onde eu mesma gravei as imagens e já estou produzindo um novo videoclipe, para o single “Asfixia”.
9 – Qual é a sua relação hoje com o nosso país?
LF.: Sou uma apaixonada pelo país. Sempre cantei e fiz questão de desenvolver minha música em português. Tenho consciência que somos um país escravocrata, entreguista, racista, misógeno, machista, onde uma elite comanda e quer seguir dominando. Estamos vivendo devido a desigualdade social, a falta de educação e de saúde, impostas desde sempre, mas principalmente, desde o golpe dado em 2016. Os militares voltaram ao poder. Trogloditas e milicianos estão comandando e incentivando, na base de fake news, fascismo, brutalidade, violência, falta de respeito pelas diferenças, criminalidade, além da desarticulação da educação e da cultura no país. O retrocesso tomou conta e estamos vivendo, além da pandemia, um verdadeiro pandemônio nacional.
10 – Se tiver que escolher uma música sua para definir esse momento que estamos vivendo no mundo, qual música escolheria?
LF.: Minha composição “Todo Mundo Pro Mundo”, que fala da necessidade de juntarmos todo mundo e somarmos as forças para melhorar o mundo. Cada vez fica mais claro que somos “um só”, interdependentes, e que a felicidade jamais existirá se uma pessoa no mundo estiver sofrendo. Somos todos irmãos e neste momento, o maior aprendizado é sobre a solidariedade, a compaixão e a necessidade que temos de um sorriso, um toque, um abraço, um olhar fraterno, um amor que seja verdadeiramente incondicional. Como diz Cazuza em nossa parceria, “Tudo é Amor”!
Maravilhosa entrevista! Parabéns, Denise e Laura. Continuem inspirando as pessoas. ❤️
Laura Finocchiaro é um ícone, sempre à frente , sempre na ativa , sempre inteira no que pensa , fala e canta! Mudou a minha vida e a vida de muita Gente que lá
Nos anos anos 90 ainda não tinha coragem de se assumir . Laura, musa, música, sempre abrindo caminhos nessas duras veredas Rtropicais ! Parabéns à Câmara LGBT PELA HOMENAGEM !
Q bacana Laura sua história de vida e a sua luta, parabéns